A profetização da educação financeira

Hoje existem milhares de canais de educação financeira no YouTube... Uma quantia ainda maior de páginas dedicadas ao assunto nas diversas redes sociais, e um número crescente de pessoas se lançando diariamente como gurus, experts das finanças pessoais e educação financeira.

Alguns se declaram atuar no “nicho” do entretenimento financeiro, outros se posicionam no jornalismo financeiro destinado às pessoas físicas. Alguns criam seus cursos digitais com fórmulas de lançamento e alguns (mais ousados) se lançam em projetos mais audaciosos como academias ou institutos dedicados a educar pessoas no trato com o dinheiro.

E cada vez mais a narrativa dos experts é mais e mais parecida: Todos não nasceram com dinheiro, passaram por dificuldades, venceram-as e agora se apresentam como pessoas preparadas para guiarem outras pessoas em uma trajetória de sucesso anteriormente trilhada por eles mesmos.

Os conteúdos mais populares são aqueles que ensinam o “como” das coisas ou o “o quê fazer com...”, os mais infames são as “auto-citações”... E os mais relevantes são...

Este texto tem um tom mais “ácido” e crítico do que o habitual, mas assim o faço com 2 objetivos.

O primeiro é desopilar, ou seja, colocar-me a vontade para tratar do assunto de forma clara e sem a preocupação do julgamento alheio (este disclaimer também cumpre esta agenda)

O segundo é provocar mesmo! 

Não é provocar as pessoas que têm tido sucesso com isso (algumas, inclusive, eu admiro), mas provocar alguns de vocês para uma reflexão mais profunda e abrangente acerca do que chamo de “profetização das finanças pessoais”

O que é a profetização das finanças pessoais

Creio que muitos já ouviram e refletiram acerca da gourmetização das coisas: o carrinho de comida de rua que vira food truck. O picolé que vira paletas, o bolinho que vira cup cake, o barbeiro que vira barber e por ai vai.

Agora, gourmetização não se aplica as finanças pessoais pois o assunto sempre foi mais “gourmet” do que “de gente como a gente”. Family offices, private banking, info client, assets under management, fiduciário... São todos termos que podem ser qualificados como gourmetizados em nossa atividade.

Então, sem a possibilidade da gourmetização, partimos para a profetização.

E não há mídia mais adequada para a profetização das finanças pessoais do que o digital e o arrebanhamento conseguido pelos experts é significativo, mas será que isso é bom? Analisaremos em breve.

Em suma: a profetização das finanças pessoais é o arrebanhamento digital de pessoas que recebem dicas e conselhos do “o quê” fazer e do “como” fazer as coisas que se referem ao dinheiro a partir dos profetas... Ooops, influenciadores digitais.

O que é bacana na profetização das finanças pessoais.

Existem traços positivos neste fenômeno da profetização, dentre os quais, destaco:

1) Acesso a informação.

Sou fã de tecnologia e do quanto ela facilita a nossa vida. Não tenho uma postura retrógrada e saudosista, apesar de celebrar meus 40 anos com a quietude de alguém que percebe o valor também de outrora.

A quantidade de canais, de blogs, de posts em redes sociais faz com que a informação esteja mais difundida e hoje pessoas podem buscar informações sobre o “como fazer” e o “o quê fazer em tal situação” para quase todo e qualquer cenário.

Vencemos a batalha da quantidade de informação, mas justamente por termos vencido esta batalha a partir da profetização, estamos perdendo (sem perceber) a guerra da qualidade da formação das pessoas no campo da educação financeira.

2) O assunto está na agenda.

O produto da quantidade de informação é termos este assunto na agenda das pessoas. Cada vez mais e mais pessoas estão tratando do assunto finanças pessoais e isso tem aguçado o interesse por como relacionar-se melhor com o dinheiro.

Precisamos lembrar que o jeito que vivemos hoje, apesar de parecer o jeito que sempre foi, é muito novo, ainda mais quando analisamos a história da humanidade.

Eu aposto que o meu e o seu bisavô jamais investiram 1 segundo sequer da vida deles pensando em, apenas para ficar em 1 exemplo, planejamento de aposentadoria. O plano era trabalhar até morrer... Ou morrer de tanto trabalhar. 

Eu sei que frases como esta soam inadequadas nos dias de hoje, mas é justamente por termos esta miopia egocêntrica e pensarmos que o nosso tempo e o nosso modus operandi sempre foi o que sempre existiu. Isso é uma absoluta inverdade.

Portanto, termos o assunto “na boca do povo” é algo bacana e a profetização das finanças pessoais ao menos contribui para que o assunto entre “nas rodas de conversa” (vide Betinas da vida e etc).

O que é perigoso na profetização das finanças digitais.

Há o lado-B disso tudo e neste lado residem os relevantes perigos da profetização. Dentre os quais, destaco:

1) Informação sem formação é igual a mais confusão.

Hoje temos tanta, mas tanta informação que é difícil aquietar-se para aprender e é fácil frustra-se pela ansiedade.

99% dos conteúdos (ok, não tenho a menor estatística disso, mas alguém dúvida que seja 99%?) publicados são textos curtos, organizados a partir de uma fórmula editorial voltada a nos dar informação e conforto e não formação e desafios.

Isso está na mídia tradicional, com suas redações repletas de free-lancers mais orientador a buscar uma quantidade de fontes do que a qualidade do conteúdo, como também é presente nos diversos blogs e canais dedicados ao assunto “você e seu dinheiro”.

O produto disso: pessoas cada vez mais informadas, mas cada vez mais perdidas.

A profetização da educação financeira é repleta de conteúdos do emissor para “n” pessoas, em total e pleno descolamento da parte pessoal das finanças pessoais.

Há um ditado popular que diz: não meça o seu sucesso com a regra dos outros. O mesmo pode ser aplicado à sua vida financeira:

"Não crie o seu planejamento financeiro com o conteúdo do outro.”

Pessoas não precisam de mais informação acerca do que fazer... até porque não se trata de nenhuma ciência de foguete o que fazemos. 

O que precisam é de mais formação para tomarem decisões maduras e que as direcione para a melhor versão do que podem ser, colocando o dinheiro à serviço do seu plano de vida, sempre como servo e nunca como senhor.

Agora, porque que é difícil criar conteúdos ou elementos de formação?

É difícil pois estes são criados de forma síncrona, 1-1 e com um amplo grau de imprevisibilidade.

Tomemos este texto como exemplo.

Ele é um conteúdo assíncrono (eu escrevi no passado, você o lê no presente e qualquer conversa que venhamos a ter acerca dele acontecerá no futuro), de 1 (eu, o autor) para N (você sendo um dos N que lê o texto) e em meu total controle. Eu escrevo o que eu bem pensar... Este é um conteúdo de informação!

O conteúdo de formação é diferente. Trata-se de uma conversa pessoal entre duas ou mais pessoas. O conteúdo é criado, transmitido, interpretado e replicado ali, ao mesmo tempo, no presente e ninguém sabe ao certo para onde a conversa vai (imprevisibilidade), nem mesmo o mais experiente dos participantes.

Mas qual é o produto de um conteúdo como o descrito acima? Ambos saem diferentes (espero que para melhor) do que entrarem. Ambos saem mais e melhor formados.

Por que preferimos conteúdos de informação:

Pois interagir com pessoas e atuar no imprevisível é desconfortável para a maioria de nós. Este é um dos drivers de sucesso das redes sociais. Todos podemos ser o que sabemos que não somos mas adoramos saber que os outros nos percebem como sendo.

Vou repetir:

“Todos podemos ser o que sabemos que não somos mas adoramos saber que os outros nos percebem como sendo.”

E dai eu crio mais e mais conteúdo... E mais e mais informação...

E do outro lado temos milhares (talvez milhões) de pessoas bem informadas e mal formadas. O resultado disso: mais e mais pessoas confusas acerca do que devem fazer...

O quê pessoas confusas fazem?

A resposta pode até parecer ser: não fazem nada, ficam paradas, mas ai entra o já conhecido efeito manada... Elas fazem o que a maioria está fazendo.

Exemplo: elas trocam os gerentes do banco pelos agentes autônomos de investimento... Seis por meia-dúzia... (na esmagadora maioria das vezes).

Por quê?

Pois informação sem formação gera confusão...

E confusão sem formação gera efeito manada...

E efeito manada leva a... Tudo, menos o cliente na melhor versão do que ele(a) poderia ser.

2) TFCSP (Texto Fora de Contexto que só Serve de Pretexto).

Conteúdos de informação são TFCSP: Texto Fora de Contexto que só Serve de Pretexto.

O segundo ponto perigoso da profetização é justamente a condução (mesmo que não intencional) de um grupo ao “mais do mesmo e o mesmo de sempre”.

No começo do texto disse que os textos mais populares da profetização da educação financeira são os que atuam no “o quê” e no “como” das coisas. Exemplos:

  • O que fazer com X mil reais para investir? (Conteúdo do tipo “o quê”)
  • 10 passos para sair das dívidas de forma definitiva. (Conteúdo do tipo “como”)
  • A reforma da previdência foi aprovada. E agora? (Conteúdo do tipo “o quê”)
  • Passo-a-passo para investir no Tesouro Direto. (Conteúdo do tipo “como”)

Muitos destes textos são bacanas e bastante úteis. Eu mesmo já fiz uso de muitos deles e já escrevi alguns textos de informação como este, mas, com o tempo e na caminhada com centenas de famílias e dezenas de outros planejadores, percebi que invariavelmente são conteúdos que partem de um pretexto que para serem um bom texto não podem se ocupar com o contexto particular de ninguém.

E isso sempre me inquietou...

Planejamento financeiro, finanças pessoais, educação financeira não é sobre nós, mas sobre as pessoas que servimos, por isso eu cada vez mais aprendo que o verdadeiro valor de qualquer conteúdo nosso esteja centrado no contexto das pessoas que servimos.

Por isso percebo um perigo camuflado e não intencional na crescente profetização da educação financeira, pois não se trata mais do contexto das pessoas, mas do pretexto do autor.

Isso precisa ser corrigido.

Sem a correção intencional e diligente disso, cairemos no que imagino ser o ponto de principal atenção deste texto: o risco de banalização do verdadeiro planejamento financeiro pessoal.

3) Banalização do verdadeiro planejamento financeiro pessoal.

Acima eu escrevi que o planejamento financeiro pessoal não é nenhuma ciência de foguete. Na verdade é até mais simples do que parece... Vamos lá pessoal...

O planejamento financeiro é pautado por princípios que, quando observados, resultam em sucesso.

O princípio fundamental: gaste menos do que ganha.

Princípios secundários:

- Tenha um orçamento.

- Enxergue o seu fluxo de caixa.

- Faça investimentos frequentes.

- Conheça todas as características (custos, tributos, riscos, sucessão) de seus ativos (financeiros e não financeiros) e dos profissionais/empresas que lhe auxiliem com isso.

- Monitore o seu planejamento.

- Viva uma boa vida, acima de tudo.

Fique a vontade para editar os princípios acima, excluir ou adicionar outros, mas a mensagem principal é: não é nenhuma ciência de foguete... tampouco uma arte. Planejamento financeiro, quando feito corretamente, é preto no branco... É mais simples do que parece.

A parte divertida emerge quando ao redor disso tudo temos os sonhos e objetivos de vida dos nosso clientes e no centro disso há a própria vida das pessoas que servimos. Expressamos isso com a seguinte imagem:

A partir da imagem acima o convido a perceber o seguinte: os 2 círculos externos, dinheiro e objetivos são a grande área do planejamento financeiro pessoal. É o PFP que organiza o dinheiro para a obtenção dos objetivos de vida.

Mas isso não é tudo... É uma parte importante, mas está longe de ser tudo.

Na parte central da imagem há a palavra VIDA, que podemos, quando no contexto do cliente, substituir por SMV - Sua Melhor Versão - A Melhor Versão do Cliente.

E é aqui que reside o Verdadeiro Planejamento Financeiro, o LIFE Planning.

Abaixo eu apresento uma tabela a partir da qual enxergo a diferença entre LIFE Planning e o PFP:

Uma outra maneira de interpretarmos a imagem com os 3 círculos é esta:


A profetização da educação financeira fala muito sobre os 2 anéis exteriores, mas quase nada sobre o núcleo da imagem, justamente a parte em que reside a melhor versão dos nossos clientes, a VIDA das pessoas que servimos.

E o risco da banalização ocorre justamente por passarmos uma mensagem incompleta para as pessoas. Formalizar o “o que”, planejar o “como", mas sem a clareza do “porque”, reduz o planejamento financeiro pessoal, e, por consequência, planejadores como nós, a peças transacionais de um jogo jogado a partir da informação, cada vez mais abundante, cada vez mais disponível, cada vez mais do mesmo... E o mesmo de sempre... 

O quê podemos fazer para melhorar - 3 propostas

Eu aconselho 3 coisas para iniciarmos o processo de transformação da informação em formação e por consequência a maior maturidade das pessoas que buscam e consomem conteúdo relacionados a suas vidas financeiras.

1) O compromisso com conteúdos melhores.

Conteúdos devem ser preparados com mais cuidado, pesquisados com mais tempo, redigidos com maior atenção e editados com mais zêlo.

Conteúdos não precisam ser longos, mas devem ser melhor elaborados, o que, invariavelmente, levaram a mais do que 400-500 palavras.

Textos longos demandam pesquisa, tempo de qualidade dedicado a mensagem e não apenas a falsa positiva sensação de “escrevi algo então está bom”.

Sempre que for escrever algo destinado às pessoas pense:

  • Isso é bom, verdadeiramente bom, para o(a) leitor(a)?
  • Isso é a verdade, ou é apenas o que eu gostaria que fosse a verdade?
  • Isso é útil e pode ser implementado de forma prática pelas pessoas?
  • Isso fará com que a pessoa/o leitor cresça? Ou apenas trará maior conforto à ele(a).
  • Este é um conteúdo, uma mensagem que, um dia, meus filhos se orgulharam de ler?

2)O compromisso com a formação antes da informação.

Que o seu futuro conteúdo tenha um compromisso declarado com a formação das pessoas, por isso o meu convite para que seja um conteúdo que as desafie a pensar, que não seja mais do mesmo e o mesmo de sempre e que, se necessário, desafie o senso comum e entre na arena do politicamente incorreto.

Não precisamos de mais conformação. Precisamos de mais crescimento e este emerge quando somos, enquanto leitores, desafiados a pensar diferente, de forma renovada e até mesmo radicalmente “arriscada” acerca do sendo comum irradiado em nossa cultura licenciosa.

Formação se dá quando valorizamos os princípios e estes são mais absolutos do que relativos.

Quem aqui tem a audácia (e porque não a coragem) de escrever e comunicar o absoluto sem deixar-se levar pela vala do legalismo e relativismo que impera a nossa cultura?

3) O compromisso com o porquê das coisas.

Que tal criar mais conteúdos que desafiem o leitor a pensar e menos conteúdos que o desafiem a agir?

Os conteúdos que o convidam a agir são inúmeros e invariavelmente nada de novo é escrito neles.

Busque um diferencial a partir do desafio para pensar e refletir. Vivemos em uma cultura que valoriza a ação. Seja renovado, seja diferente. Valorize o pensamento, a reflexão.

Isso não significa descreditar a ação. Significa apenas colocar as coisas na devida ordem, justamente para que a ação seja mais eficaz.

Eu acredito que valha mais a pena dar um passo na direção certa, do que correr para a direção errada.

Qual é a direção que o seu conteúdo deve sebguir? Por quê? Pense, reflita.

Com carinho, 

André Novaes, CFP®

PS: Um convite à reflexão: o excesso de informação tem gerado mais paz ou mais ansiedade? Reflita e comente acerca disso, tanto para o leitor, quanto para o criador do conteúdo. Aguardo seus comentários.


Disclaimer: Lembre-se: É necessário abraçar e operar a partir dos princípios que produzem sucesso, não apenas imitar as ações de pessoas bem-sucedidas. Trata-se de fazer a seguinte mudança: do conhecer algo intelectualmente, para viver algo em seu coração. Se tudo o que faço é fornecer informações e conteúdo na forma de um artigo, estou muito aquém do que é possível. Meu objetivo maior é (trans)forma-lo no caminho da sua maturidade pessoal e sucesso profissional.

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